2º DOMINGO DA QUARESMA




A transfiguração no monte Tabor




( Mc 9,2-10)

A transfiguração antecipa a luz da Ressurreição, enquanto Jesus se dirige da Galileia para Jerusalém. Iniciando a caminhada que o levará à Cruz, o Mestre reúne-se com os discípulos para os introduzir gradualmente no mistério do sofrimento e da glória do Filho do homem. Novo Moisés, dum novo Sinai (tradicionalmente identificado com o Tabor), Jesus envolvido numa grande luz, revela-se Filho de Deus.


Naquele tempo, 2Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E transfigurou-se diante deles. 3Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar. 4Apareceram-lhe Elias e Moisés, e estavam conversando com Jesus. 5Então Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. 6Pedro não sabia o que dizer, pois estavam todos com muito medo. 7Então desceu uma nuvem e os encobriu com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!”8E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles. 9Ao descerem da montanha, Jesus ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos. 10Eles observaram esta ordem, mas comentavam entre si o que queria dizer “ressuscitar dos mortos”.


Uma mãe  chega numa cidade para a formatura do filho. Vê muitas coisas novas: o ambiente universitário, as grandes aulas, tantos jovens... Mas a maior surpresa ela teve com o seu filho. Na sua mente ele era sempre um rapazinho. Mas agora o que ele se tornou? Era uma homem sentado na cátedra, que respondia às perguntas dos professores. Perguntou-se: “É ainda o meu garoto? Como mudou!”.
Toda pessoa, vivendo, muda, para o bem ou para o mal. Se diz que as mães não amam tais mudanças, quereriam que os filhos permanecessem sempre pequenos. Supondo que crescendo mudarão e não serão mais os mesmos, por isto elas tem medo do crescimento. Mas é verdade que a pessoa não é mais ela mesma quando muda? Devemos fazer uma distinção. Não tem o mesmo efeito mudar para o bem ou para o mal. Uma mudança para o mal é descrita por Dostoevskij, com profundas observações psicológicas, no romance Crime e Castigo. O estudante Raskolnikov se torna um assassino. Mas quem pode saber disso? Até quando ele não confessa, é difícil prová-lo. Sua mãe e a sua irmã não tem dúvidas. Notam que ele mudou muito, que não é mais aquele de antes. Uma mudança para o bem tem um efeito diferente. O homem se manifesta como realmente é, revelando as suas características interiores. Assim o exemplo do filho que recebe a formatura. Devemos também compreender neste sentido a transfiguração do Senhor no monte Tabor.
Este mistério é apontado por duas palavras, em latim e em grego. Em latim se fala de transfiguratio, em grego de metamórphosis. A voz grega é original do evangelho, mas não é muito adequada. Significa uma mudança da forma, do aspecto. Este é também o sentido do termo latino transfiguratio. Se Jesus sobre o monte tivesse mudado de forma não seria mais ele, os apóstolos não o teriam reconhecido, acreditariam que teria sido um outro. Eles, pelo contrário, sabiam bem que era Jesus, mesmo se transfigurado. O que então mudou nele? A mudança está na luz. Os apóstolos viram Jesus numa outra luz, diferente daquela que o viam a cada dia. Mas também isto não deve ser considerado em sentido material. Não se trata de algum efeito produzido por refletores, mas dependia de uma descoberta interior. Viram Jesus como na realidade ele era: Filho do Pai celeste.
Podemos agora compreender porque a festa da transfiguração era considerada pelos monges orientais como programa de conversão para todo cristão. Quem não conhece esta tradição se pergunta por que este trecho do evangelho se lê no início da quaresma. Parece que, pelo seu aspecto solene, se adaptaria melhor ao tempo pascal. Mas não esqueçamos que a quaresma deve ser um tempo de conversão, de mudança para o bem. Então, em tal situação, o homem se manifestará assim como ele é na verdade, descobrirá a própria identidade como filho do Pai celeste.
Os pregadores quaresmais concentram as suas admoestações, sobretudo, na conversão externa. Nos lugares onde era difundido vicio de beber, bradavam contra o alcoolismo. Lá onde a fidelidade conjugal deixava muito a desejar, as exortações se concentravam, sobretudo, na “pureza” da família. Onde somente alguns poucos frequentavam a Igreja, se falava da importância da oração e dos sacramentos. A vida cristã se devia reformar para receber uma nova forma. Mas é claro que a conversão exterior não duraria muito sem uma conversão interior. Um dia alguém felicitou o pregador quaresmal: depois da sua pregação zelosa contra o alcoolismo, por uma semana inteira no povoado não se  via um só bêbado.
A conversão durável é somente aquela interna. Mas como ela acontece? O antigos estoicos se ocupavam deste problema. Tinham como ponto de partida a experiência que algumas coisas nos entristecem, outras nos alegram, outras nos deixam indiferentes. Busquemos evitar tudo o que é desagradável, mas não conseguimos sempre totalmente. Cada dia encontramos algo que não gostamos. Onde esta a causa desse insucesso? Em nós mesmos. Queremos mudar o que está fora de nós, ao invés devemos mudar a nós mesmos. Choramos quando perdemos uma pequena coisa, aprendamos a considerá-la de pouca importância e então deixaremos de chorar por ela.
Os autores cristãos desenvolveram esta consideração mais profundamente. Precisamos mudar o valor que damos às coisas. É fácil dizê-lo. Mas não se trata talvez de uma ilusão? Pode-se fazer isso sempre? Se morre a mulher de um homem, deve talvez se convencer que ela não lhe era importante? Precisa aprender a ver as coisas como elas são na verdade. Alguém então contrapõe dizendo que na verdade as coisas nos causam tristeza. Sempre? Há somente uma maneira de podermos nos reconciliar com elas:  vê-las como Deus as vê. Ele durante a criação considerou que tudo era bom (cf. Gn 1,4ss). É verdade que com o pecado o mundo mudou, que existem muitas coisas trágicas. Mas tudo está nas mãos da providência divina e, no final, também as desgraças devem nos conduzir ao bem. Os Padres fazem a distinção entre os males físicos e os males morais. Exemplo dos males físicos são os terremotos, as inundações, as doenças, a morte. O mal moral, ou seja, o pecado, parece escapar da providência divina. Deus de fato não pode transformá-lo em bem sem a nossa conversão interior.
                Disto se segue a necessidade de uma contínua conversão interior. Pode-se observá-lo nas nossas relações com as outras pessoas. É fácil que algumas nos sejam antipáticas, nos provoquem. Começamos a repreendê-las e elas fazem o mesmo conosco, surgem litígios. Em tantas famílias a situação se torna intolerável, se chega à separação. Mas o que é a separação? Uma mudança externa sem uma conversão interior. Não pode, portanto,  conduzir ao fim desejado. Por isto também neste caso precisamos começar da atitude interior. Mas como fazer? Uma mulher na confissão se lamentava amargamente do seu marido, dizendo que não o suportava mais. O confessor lhe deu este conselho: “Compre um caderno. Todo dia escreva ao menos uma coisa boa, mesmo que pequena, que o seu marido tenha feito. Releia frequentemente suas anotações. Ao final descobrirá que o seu marido não é assim tão mal como parecia”.
                Mas na vida sofremos também olhando para nós mesmos. Parece que não conseguimos nada, de não ter tempo para nós mesmos, ou que os outros não nos levam a sério. Também neste caso seria útil comprar um caderno e anotar alguma coisa que conseguimos fazer, alguma coisa que acreditamos que vale a pena viver. Descobrir o bem significa transfigurar a nós mesmos e com esta transfiguração interna mudar o mundo. Então a festa da transfiguração de Cristo terá um significado para a vida cotidiana.

Oração

Ó Deus, que chamastes à fé os nossos pais, e nos destes a graça de caminha á luz do Evangelho, abri-nos à escuta do vosso Filho, para que, aceitando na nossa vida o mistério da cruz, possamos entrar na glória do vosso Reino. Amém!


Fonte:
Tomáš Špidlík, Il vangelo delle feste, II, Lipa (Trad. livre)
Leccionario comentado – Quaresma –Páscoa , Paulus, Lisboa.


 
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