A hipocrisia religiosa – estes três textos, sobre a oração, a esmola e o jejum, nos colocam a mesma pergunta: a nossa piedade é feita para ser vista pelos homens ou por aquele que vê no segredo? Cristo denuncia a hipocrisia religiosa, o comportamento que quer impressionar, as atitudes teatrais que buscam o aplauso e a aprovação. “hipócrita” em grego, significa: um comediante que leva uma máscara. É só teatro e espetáculo, sem convicção. O verdadeiro discípulo não serve a si mesmo ou “o público”, mas o seu Senhor, na simplicidade e na generosidade.
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 1“Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles. Caso contrário, não recebereis a recompensa do vosso Pai que está nos céus. 2Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. 3Ao contrário, quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, 4de modo que a tua esmola fique oculta. E o teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. 5Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. 6Ao contrário, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa. 16Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão jejuando. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. 17Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, 18para que os homens não vejam que tu estás jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa”.
Quando jejuardes
Por que se jejua? Os Padres da Igreja dizem que o homem foi expulso do paraíso por causa da gula, pelo desejo de comer o fruto proibido. Esta imagem tem um significado simbólico para a nossa vida. O resto do paraíso em terra é o coração humano quando é habitado por pensamentos puros e bons. Este estado de bem-aventurança nos abandona se estamos presos pelo prazer de uma boa comida. São João Clímaco ironiza sobre “os pássaros gordos que conseguem voar mais alto”, fazendo alusão ao fato que quem está muito saciado se torna incapaz de rezar: os humores do estomago vão para a cabeça e a obscurecem, e o Espírito Santo não pode entrar.
Somos seres militados: concentramo-nos sobre uma coisa e esquecemos a outra.
A comida nos tira a nossa atenção da esfera espiritual.
Então o jejum é uma forma de retorno ao paraíso, porque Deus volta a ser o centro da atenção.
O jejum dos ascetas e dos santos
Nos ascetas encontramos exemplos de um jejum semelhante ao daqueles dos faquires indianos. Segundo a biografia de São Pacômio os monges egípcios comiam pão escuro e duro, feito uma vez por ano, embebido na água. Alguns amassavam a farinha com as cinzas para que o pão se tornasse amargo. Não usavam óleo e nem carne, somente legumes, que comiam crus. Alguns jejuavam também muitos dias seguidos. São Pedro de Alcântara comia alguma coisa a cada três ou quatro dias. São Francisco de Assis depois de quase quarenta dias de jejum comeu por humildade um pedaço de pão, para não se iludir de poder fazer como Cristo.
Muitos desses contos são legendários e não devem ser levados a sério. São Tomás de Aquino diz que em certos casos é até mesmo pecaminoso imitar ao pé da letra os jejuns de que nos falam a vida dos santos.
De toda maneira não podemos comparar o nosso modo de nos nutrir com aquele do Alto Egito. Também hoje é de se admirar o pouco que comem os beduínos; mesmo assim são fortes e sadios. Ao comer precisa que cada um encontre a justa medida; uma justa medida é boa para todos.
As regras da abstinência
Em relação ao jejum e à abstinência, os manuais de espiritualidade acentuam especialmente três pontos: 1) uma reta ação se julga pelo fim que queremos alcançar; 2) o fim é a saúde do corpo e a força para trabalhar; 3) o corpo deve se manter num estado que sirva à alma, portanto, à oração.
O provérbio popular diz: “Não vivemos para comer, comemos para viver”. Isto é verdade também para um cristão. Mens sana in corpore sano, diziam os antigos.
Mas se devemos escolher a quem dar a precedência, então é bom e justo privilegiar o espírito e mortificar a carne. O espírito governa o corpo.
Uma pessoa bem educada na mesa come com desapego, como se não tivesse fome. O cristão que reza à mesa pode rezar com o corpo, se durante a refeição renuncia a uma pequena coisa pelo amor de Deus.
Oração
Senhor Jesus, te agradecemos pela tua Palavra que nos fez ver melhor a vontade do Pai. Faze que o teu Espírito ilumine as nossas ações e nos comunique a força para realizar o que Tua Palavra nos fez ver. Faze que possamos realizar as boas obras não por interesse ou vaidade, mas com generosidade e discrição . Tu que vives e reinas com o Pai na unidade do Espírito Santo, nos séculos dos séculos. Amém.
Fonte:
Messalino Quotidiano dell'Assemblea, EDB
Tomáš Špidlík, Il vangelo di ogni giorno, Tempo di Quaresima e pasqua, Lipa (Trad. livre)