1º Domingo da Quaresma – As tentações de Jesus (Mc 1,12-15)


Naquele tempo, 12o Espírito levou Jesus para o deserto. 13E ele ficou no deserto durante quarenta dias, e aí foi tentado por Satanás. Vivia entre animais selvagens, e os anjos o serviam. 14Depois que João Batista foi preso, Jesus foi para a Galileia, pregando o Evangelho de Deus e dizendo: 15“O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!”
                A confronto de Cristo com o seu adversário é tema freqüente na meditação dos autores espirituais. Um exemplo é a meditação das “duas bandeiras” nos Exercícios de Santo Inácio de Loyola. O objetivo não é aquele de fazer uma escolha do lado a que se aliar. Isto já decidimos com o batismo. Mas não nos rendemos conta suficientemente de como esta escolha se deva realizar na vida prática e com que meios e quais os campos se efetua a luta entre as duas partes. Precisa então confrontar,  comparar os meios que são diferentes que são muito diferentes. Neste sentido recorda-se alguns romances do século XIX como a trilogia de D. Merežkovskij, Cristo e Anticristo, O senhor do mundo de E.F. Benson e, sobretudo, a famosa e profética reflexão de V. Soloviev, O relato do Anticristo.
O evangelho de Marcos menciona brevemente estas tentações, mas mais particularizado é o relato de Mateus (4,1-11). A primeira tentação é descrita assim: “Ele jejuou quarenta dias e quarenta noites. Depois, teve fome. O tentador aproximou-se e disse-lhe:’Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães!’ Ele respondeu: ‘Está escrito: Não se vive somente de pão, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’” (Mt 4,2-4)
                Em que consiste a verdadeira tentação? Talvez não seja o alimento o primeiro pensamento de alguém que está com fome? Adquirir o pão de cada dia talvez não seja o maior esforço da grande maioria das pessoas? Assim alguns exegetas explicavam que a tentação consistia no desejo de comer antes do tempo estabelecido pela vontade do Pai, pela providência. Percebemos logo que uma tal explicação é superficial. Não se pode nem mesmo dizer que o pecado seria transformar as pedras em pães. Existem muitas maneiras de ganhá-lo. Com a força? A criança recebe dos seus pais aquilo de que precisa. Crescendo, começa a ganhar sozinho o próprio pão. Isto não é mal, é uma evolução natural. Seria errado se com isto começasse a mostrar aos seus pais que não precisa mais deles. Tal ingratidão é um gesto feio para com as pessoas, tanto mais para com Deus. Quem procura sozinho o próprio pão e tudo aquilo que crê de haver necessidade não aceita mais o dom. Não aceitar o dom de Deus significa romper  o relacionamento com ele. Talvez não seja esta a grande tentação das pessoas de hoje? Progrediram tecnicamente e se organizaram. Antes os cidadãos rezavam devotamente para a chuva e contra os granizos. Todos os lugarejos podiam sofrer a fome como conseqüência de catástrofes naturais. Hoje somos convictos que em tais casos deve intervir o governo e dar alimentos. Se se omitisse de fazer o seu dever, mais do que a oração do Pai Nosso seguiriam protestos e greves. Não vemos, portanto, a vida como uma graça, mas como um direito e um próprio mérito. Mas também esta segurança, se na verdade existe, tem uma vantagem. Quem não recebe presentes de ninguém não tem amigos. E viver sem a amizade com Deus é uma desgraça incontornável com a abundancia e o bem-estar.
                A segunda tentação de Jesus é descrita por Mateus desta maneira: “Então, o diabo o levou à Cidade Santa, colocou-o no ponto mais alto do templo e disse-lhe: ‘Se és Filho de Deus, joga-te daqui abaixo! Pois está escrito: Ele dará ordens a seus anjos a teu respeito, e eles te carregarão nas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’. Jesus respondeu: ‘Também está escrito: Não porás à prova o Senhor teu Deus’” (Mt 4,5-7).
A primeira tentação consistia em esquecer a vocação divina. Na segunda é o extremo oposto; crer de ser chamado por Deus, mas determinar a partir de si mesmo esta vocação.  O que se decide sozinho deve ter a unção da missão divina, simbolicamente deve partir do templo. Os rei medievais governavam e subscreviam os seus decretos com a seguinte frase: “pela graça de Deus”. Mas quantas vezes o poder deles desabou porque apresentavam ao povo como “graça de Deus” o que vinha deles mesmos, das suas mentes!
                O nosso tempo não usa mais o vocabulário teológico, mas sucumbe na mesma tentação. Os regimes totalitários apresentam como verdade absoluta o que está na mente dos governantes. Ai daqueles que ousariam contradizer o que recebe o título de “vontade do povo”, “princípios da democracia” ou mesmo “direito de agir livremente segundo a própria consciência”. Nesta última expressão há um paradoxo trágico. A consciência é a voz de Deus no coração humano. Mas quantas vezes as pessoas exigem o direito de “agir segundo a própria consciência” em casos onde toda consciência pura proibiria tais ações. Uma mãe que mata a própria criança se defende dizendo que devia agir segundo a sua consciência, isto é, apresenta como voz da consciência o que a consciência proíbe.
                No período do Concílio vaticano II, o cardeal Bea teve uma conferência com alguns jornalistas sobre o tema da crise da obediência. Os jornalistas notavam que a aversão que se tem pelas autoridades é geral, que os jovens desprezam as estruturas tradicionais e que os adultos não são capazes de convencê-los de outra forma. Continuaram dizendo que a educação se tornou muito permissiva, que às crianças se deixa fazer aquilo que querem, de forma que quando estiverem crescidos para eles será impossível submeterem-se a qualquer ordem. Os jornalistas perguntaram ao cardeal qual era a sua opinião. Ele abaixou gravemente a cabeça e disse que reconhecia a verdade destes fatos. Mas acrescentou que não lhes considerava muito graves. Para ele a crise da obediência tem por causa profunda: o fato de que se abusa da autoridade. O homem é essencialmente livre, pode se submeter verdadeiramente somente a Deus. Infelizmente hoje se propõem muitas idéias como verdades absolutas, enquanto que são somente excogitações humanas. Queremos que todos creiam nelas? Naturalmente há quem se rebele. Os profetas da sociedade de hoje, e  são tantos, querem ser considerados todos como provenientes do templo.
E a terceira tentação? O diabo levou Cristo para uma montanha alta e lhe mostrou todos os reinos do mundo e sua riqueza dizendo: “Eu te darei tudo isso, se caíres de joelhos para me adorar” (Mt 4,9). É a mais trágica tentação. Em termos bíblicos soa de maneira horrenda. Mas as pessoas de hoje sabem adaptar-la á própria linguagem: “Não ter medo de fazer o mal, o caminho que leva à carreira e ao sucesso não podes evitá-lo”.
                O que devemos fazer quando nos apresenta este pensamento? O que fez Cristo, que disse ao diabo:Vai embora, Satanás, pois está escrito: Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a ele prestarás culto”. O evangelho nota que daquele momento o tentador o deixou e os anjos se aproximaram para servi-lo (cf. Mt 4,11).
                É uma  conclusão consoladora para todos nós. Também a nós vem tentações sob a forma de pensamentos maus, mas resistindo-lhes encontraremos a paz com Deus.

Tomáš Špidlík, Il vangelo delle feste, II, Lipa (Trad. livre)

 
Design by Free Wordpress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Templates