O medo e a fé – Neste milagre, Jesus se revela como o Senhor que domina as forças da natureza. Impossível crer nele e ainda ter medo de uma criatura, por mais poderosa e temível possa ser.
35Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: “Vamos para a outra margem!” 36Eles despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava na barca. Havia ainda outras barcas com ele. 37Começou a soprar uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já começava a se encher.38Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” 39Ele se levantou e ordenou ao vento e ao mar: “Silêncio! Cala-te!” O vento cessou e houve uma grande calmaria. 40Então Jesus perguntou aos discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” 41Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos outros: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?”
Vamos para a outra margem!
A expressão “outra margem” é simbólica em toda a literatura cristã. As pessoas estão como sobre margem opostas de um grande rio ou de um lago, acena-se com a mão, chama-se, vê a mesma água, mas de lados diferentes.
A metáfora exprime a dupla atitude diante da vida: superficial e espiritual. A atitude espiritual está fundada sobre a inversão de valores que começa o discurso da montanha, as oito bem aventuranças (Mt 5,1ss). Os santos se contradistinguem dos outros justamente por amar e buscar coisas diferentes dos outros, demonstram-no também externamente, até mesmo com as roupas que usam. Santo Inácio de Loyola deseja que esta oposição se veja, sobretudo, no modo de pensar, na rejeição de critérios mundanos e superficiais.
A mentalidade de Cristo é diferente da mentalidade do mundo. Para adquiri-la é necessário abandonar a nossa margem, ou seja o egoísmo, e passar para a outra margem, a da caridade.
Começou a soprar uma ventania muito forte
A tempestade irrompe quando no ar existe uma grande salto de temperatura. É a tentativa natural de reequilibrar as correntes quentes e aquelas frias.
Entre a mentalidade do mundo e de Cristo existem, em sentido metafórico, grandes diferenças de temperatura, e quem espiritualmente passa de uma margem para outra é atingido por uma grande tempestade. Freqüentemente nasce como um turbamento interior, uma inquietude. Santo Agostinho nas suas “Confissões” descreve muito bem este estado e as dificuldades da sua conversão. Mesmo se a muito tempo tenha intuído a verdade divina, nele haviam muitíssimas resistências em começar uma vida nova. Ele conta: “Os meus hábitos mundanos e os meus prazeres me atacavam e gritavam: Como viverás sem nós?”
Todos tem medo da mudança radical que comporta a vida em Cristo. Mas são tempestades que antes de nós muitos viveram e superaram-nas. Santo Agostinho encontrou a paz justamente dizendo a si mesmo: “Se tantos homens e tantas mulheres mudaram, tu também não podes conseguir, Agostinho?”
Ele estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro
A imagem de Cristo que dorme em meio à tempestade é o símbolo da nossa desolação. Quando na nossa vida as forças do mal se enfurecem contra nós, parece-nos que Deus esteja distante, indiferente, dormente. Nos salmos encontramos muitas vezes a invocação: “Senhor, desperta!” Se trata evidentemente de um antropomorfismo : Deus não pode dormir, é a nossa fé nEle que se adormenta. São momentos de grande provação espiritual. Somos tentados em considerar como única realidade o que vemos e sentimos, e irreal o que está fora da nossa consciência e capacidade psicológica.
Mas Deus, a sua graça, a sua força, superam todo o nosso conhecimento humano, a nossa psicologia, os nossos sentimentos. Por isto, às vezes, temos a impressão que Deus se ausente, que Cristo durma, e o incitamos a despertar. Nestes casos a única coisa a fazer é rezar, diz Santo Agostino, para que desperte a nossa Fe nEle que sempre vela por nós.
Tomáš Špidlík
Oração
Senhor, nosso Deus, nas vida as vezes nos sentimos como um barco ao fragor das ondas, e tu pareces dormir. Liberta-nos do medo e reforça a nossa fé, para que possamos viver com serenidade, confiantes naquele em que obedecem o vento e o mar e que intercede por nós pelos séculos dos séculos.