22 de janeiro – Domingo – Mc 1,14-20


Pescadores de homens

                Um dia um pacífico velhinho romano se lamentou: “O que devo fazer com aqueles que fazem propaganda para a sua seita? Eles vem sempre à minha casa, apertam a sirene da minha casa repetidas vezes até que abro. E quando os deixo entrar, começam a pregar de tal modo que não consigo fazê-los parar. Uma vez fiquei com raiva: por que não me deixam em paz? Mas eles não pararam: ‘Fomos enviados por Cristo para sermos pescadores de homens!’ Mas se deve entender assim o texto do evangelho?”.
                Os pescadores que vemos nos lagos ou no mar são muitos tranqüilos e pacíficos. Se sentam perto da água, preparam o anzol e o jogam, esperando pacientemente que qualquer peixinho morda a isca. Portanto não é o pescador que “vai”, mas antes são os peixes que vem a ele. Se fala desta maneira do apostolado dos monges orientais. Eles viviam no deserto, nos bosques, nas montanhas, mas a sua fama se difundia e as pessoas começavam a procurá-los, a ir até eles para pedir conselhos espirituais. O que atraia nesses solitários? Um dos mais populares santos russos, Serafim de Sarov, era um monge deste tipo, um eremita, até mesmo um estilista[1]. No tempo das guerras napoleônicas permaneceu de joelhos sobre uma pedra por mil noites, rezando pelos soldados doentes e por outros que sofriam. Mas as pessoas o descobriram e as multidões começaram irem até ele. Foi também um professor de teologia, ao qual não lhe parecia conveniente que tantas pessoas fossem a este homem sem cultura. Ele disse isto ao santo que respondeu-lhe: “Na cidade as pessoas tem tudo, somente falta uma coisa: a paz interior. Procurai a paz e milhares estarão à sua volta”.
                Este tipo de apostolado é próprio da Igreja. Heidegger[2] estabeleceu três graus através dos quais se sobe na vida religiosa. O primeiro é o grau estético: o homem, talvez por acaso, entra na Igreja e encontra algo de particular, um outro espírito, um outro ar em relação ao de fora. O belo é aquilo que atrai de longe. Os cantos na Igreja, a liturgia, a leitura da Bíblia possibilitam experiências até então desconhecidas. Surge o desejo de conhecer este novo mundo. É uma impressão inicial, mas que em certas pessoas são muito demoradas, às vezes duram toda a vida. Freqüentam a Igreja, se interessam por literatura religiosa, em arte sacra, mas não vão além disso. É hipocrisia? Não devemos ser apressados em julgar. Para eles é uma segura confissão que ao lado da sombria vida cotidiana existe também uma outra realidade superior. Não querem abraçá-la logo, mas não conseguem compreender os ateus que a negam e não dão lugar a ela.
                Se trata já de fé, mas muito frágil. No estágio estético a pessoa não confronta a própria vida que aquilo que ama ver ou ouvir. Escuta com entusiasmo o Requiem de Mozart, mas não pensa na própria morte ou na penitência. Mas um dia, com a graça de Deus, chega o momento do confronto: se reconhece crente, mas não praticante. Então se passa para o segundo estágio da vida espiritual, aquele que Heidegger chama “moral”. O homem compreende que professar a fé exige que viva segundo os seus princípios. Crê no evangelho quem o considera como lei para as próprias ações. Com este esforço em aplicar a fé à vida, a pessoa se torna um crente exemplar, pode tornar-te também um asceta de exemplo.
                Nesta fase também se desperta a missão profética. O homem vê que a maioria das pessoas não vive segundo o evangelho. Porque não adverti-los e corrigi-los? Por que não ameaçá-los com as penas de Deus pela hipocrisia da vida deles? Esta era a missão dos profetas bíblicos. As suas pregações começavam com as palavras: “Isto diz o Senhor... O Senhor me manda dizer, ele mesmo coloca as palavras certas na minha boca”. Precisa muita coragem para afirmar que Deus nos manda falar. Quem não é enviado por Deus se envia a si mesmo, e um “apóstolo” desse jeito se torna problemático e enjoado.
                Mas a este estágio moral, um outro perigo ameaça aquele que se esforça em observar todas as leis morais: acreditar de ser um dos poucos justos no mundo. Acaba assim por fazer a oração do fariseu: “Ó Deus te agradeço por não ser como os outros homens, ladrões, injustos, adúlteros, e nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes na semana e pago a décima parte do que possuo” (Lc 18,11-12). Sabemos bem como Jesus considerava estes tipos. Deu a precedência ao publicano. Por quê?
                Heidegger demonstra que no segundo estágio moral deve seguir um terceiro, aquele plenamente religioso. É a consciência de que Deus é Pai, pessoa viva, que nos fala e a quem nos voltamos. A palavra “religião” indica que existe uma relação viva, que se liga a Deus num diálogo continuo que se efetua na oração. Antes de tudo esta oração tem um caráter penitente, é  a oração do publicano: “Deus tem piedade de mim pecador”. É fácil aparentar ser justo diante de uma lei. Mas quem ousaria se vangloriar-se diante da face do Deus vivo? Portanto, rezamos por nós e também pelos outros. Não é possível rezar sem amor e o amor quer bem a todos. Por este motivo cada oração, mesmo se recitada por si mesma e por uma coisa em particular, no fundo é feita por bem e por todos os homens. Os fiéis pedem freqüentemente que uma missa seja celebrada por uma intenção deles. É um bom costume. Depois pedem:    “A missa foi celebrada por mim?” Um sacerdote respondeu: “Por todo o mundo, por todos os homens, mas de modo particular recomendamos a Deus as suas intenções”.
                A oração é, portanto, apostolado. Assemelha-se a uma grande rede em que a Igreja recolhe uma grande quantidade de peixes. Aqueles que rezam são pescadores de homens em sentido espiritual. Com o tempo observamos a eficácia deste apostolado. Uma mãe se lamentava com um sacerdote do seu filho adolescente; desde quanto tinha se tornado estudante no ensino superior ele tinha deixado de ir à Igreja e, se ela lhe falava de Deus, ele lhe respondia de modo grosseiro. O sacerdote lhe sugeriu este conselho: “Deixe de falar de Deus com o seu filho, mas fale muitas vezes com Deus de seu filho”. A situação permaneceu assim como estava por muito tempo, mas no final a mãe admitiu que a coisa funcionava.
                Na Igreja existe, evidentemente, também um apostolado da palavra, profético. Para isto requer uma missão divina. Mas todos a tem e em todo lugar? Precisamos pensar sobre isto, quando escutamos os apóstolos não enviados,  ou quando escutamos aqueles que são com certeza enviados pela Igreja em nome de Cristo.
Tomáš Špidlík



[1] "estilista", termo que vem da palavra grega “sytilos” e que significa coluna. Designa os ascetas que viviam sobre colunas de pedra e que atraiam muitos fiéis ao local pela santidade de vida.

[2] Martin Heidegger (1889-1976), filósofo alemão, foi um dos mais influentes pensadores do século XX .       

 
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