Uma fidelidade inteligente – Jesus é criticado porque não impede os seus discípulos de violar o sábado. Com a autoridade de um mestre, ele restitui ao preceito do repouso o seu verdadeiro significado: libertar o homem, não torná-lo escravo.
23Jesus estava passando por uns campos de trigo, em dia de sábado. Seus discípulos começaram a arrancar espigas, enquanto caminhavam. 24Então os fariseus disseram a Jesus: “Olha! Por que eles fazem em dia de sábado o que não é permitido?”25Jesus lhes disse: “Por acaso, nunca lestes o que Davi e seus companheiros fizeram quando passaram necessidade e tiveram fome? 26Como ele entrou na casa de Deus, no tempo em que Abiatar era sumo sacerdote, comeu os pães oferecidos a Deus, e os deu também aos seus companheiros? No entanto, só aos sacerdotes é permitido comer esses pães”. 27E acrescentou: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado. 28Portanto, o Filho do Homem é senhor também do sábado”.
O sábado foi feito para o homem
A vida humana tende à institucionalização. Duas pessoas que vivem juntas entram em acordo para não criar dificuldades um para com o outro, e uma regra de vida é necessária, com maior razão, se vive numa comunidade composta de muitas pessoas. Estabelecem-se os lugares e as modalidades de encontro, o tempo do trabalho e aquele do repouso, os horários das refeições. Também a religião tem as suas regras institucionais. Que valor tem elas, e em que medida podem ser mudadas?
No Antigo testamento uma das regras sagradas era o repouso no dia de sábado, que os cristãos substituíram pelo repouso do domingo. É uma lei eclesial, mas a Igreja não impõe sanções se existe algo superior que nos impede de observá-la.
Ao invés para os rabinos a lei era a aliança estreita com Deus, o selo do pacto com ele. O homem não pode não observá-la.
Também nós devemos permanecer fiéis à lei eclesial, mas sem tomar as palavras ao pé da letra, separadas do contexto e do próprio Deus. Deus é amor. Em primeiro lugar, Deus coloca sempre a pessoa, não a lei.
E todos os seus mandamentos servem para realizar o seu amor no mundo e todos são “para o homem”.
Não o homem para o sábado
A moral laica louva os escritos do imperador romano e filósofo estóico Marco Aurélio. Neles, se diz, há a sabedoria do intelecto humano e a nobre modéstia do homem. Para Marco Aurélio, o verdadeiro filósofo perscruta a ordem do cosmo que regula o movimento das estrelas e toda a natureza. Esta lei para ele é um “deus cósmico”, que se deve submeter-se em toda circunstância. É um propósito nobre, que expressa o ideal de realizar o próprio dever em cada ocasião.
Mas não é um ideal bíblico. Para Marco Aurélio o homem é somente uma pequena partícula no grande mecanismo do mundo. Na concepção bíblica, pelo contrário, todo o mundo é para o homem. Deus criou o universo, lhe deu leis. Mas toda a beleza da natureza é para aquele que devia vir por ultimo, para Adão e sua descendência.
Mais tarde, quando Deus falou aos descendentes de Abraão, cada palavra expressava um dom. As Leis de Deus, sejam naturais ou reveladas, não são para subjugar e dominar os homens, mas dons e privilégios para a sua felicidade, que o homem aceita segundo o espírito do Doador.
Portanto, o Filho do Homem é senhor também do sábado
Como senhor do mundo, por sua vez, o homem estabeleceu as suas leis. Também Cristo atribui a si mesmo uma autoridade superior quando declara ser senhor do sábado. Tudo o que foi criado foi feito por meio dEle e a Palavra de Deus revela o verdadeiro sentido de cada coisa. Quem está unido a Ele é libertado de toda escravidão dos elementos (Gl 4,3) e da “letra da Lei”.
O defensor mais zeloso da “liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8,21) foi São Paulo, outrora fanático defensor da “letra” da Lei, até quando compreendeu que somente Jesus podia dar um sentido e um escopo à Lei. Por isto teve a coragem, mesmo contra o parecer dos outros apóstolos, de abolir para o cristianismo a lei da circuncisão.
Certamente não era uma renúncia ao amor que vem da Lei, mas um cumprimento do espírito da Lei em Cristo, ou seja, o próprio objetivo de toda lei.
Tomáš Špidlík
Oração
Senhor, nosso Deus, as tuas lei não foram feitas para oprimir o homem, mas para ajudá-lo a realizar-se de maneira autêntica e plena. Libertai-nos de todo falso legalismo que dá mais importância ao preceito humano que à misericórdia, para que possamos viver sempre no teu amor: tu que vives por todos os séculos dos séculos. Amém!